Mariana Siqueira

Mineira, oftamologista e cirurgiã, pelo SUS, Mariana alerta sobre os impactos da pandemia e das telas na visão, e usa da filosofia para falar de autocuidado, autoimagem e felicidade.

Quem é você?

Sou mineira, filha, irmã, profissional liberal, amiga, cirurgiã. Completei 38 anos. Atuo como Oftalmologista em algumas clínicas de São Paulo, opero cirurgia de catarata pelo SUS e faço alguns plantões como clínica.

Já desejou ser outra pessoa?

Como boa pisciana, sempre fui sonhadora. Hoje, recorro ao brilhante filósofo espanhol Ortega y Gasset e sua mais célebre frase: “eu sou eu e minha circunstância, e se não salvo a ela, não me salvo a mim. Os sonhos humanos implicam esforço, amor, serviço, inteligência, articulados com sua realidade”.

Você é especialista em cirurgia de catarata. A pandemia impactou de alguma forma essa área?

Impactou e muito. Duas importantes pesquisas, do DATASUS e do CBO (Conselho Brasileiro de Oftamologia), apontam queda nas cirurgias de catarata no Brasil. De 2019 para 2020, a queda foi de 38%.

Isso é preocupante pois a perda da visão decorrente da catarata, no Brasil, é 45% maior do que no restante do mundo. Anualmente, cerca de 769 mil pessoas perdem a visão no Brasil por causa da catarata.

A cirurgia é o único tratamento que pode ajudar a recuperar a visão, até mesmo em pessoas que já estão cegas pela catarata.

E as telas (televisão, computador, celular), de que forma impactam a nossa visão?

Os estudos já mostravam há algumas décadas um BOOM de Miopia, principalmente em países do leste asiático. Observa-se nesses países grande aumento da incidência, principalmente na faixa etária mais jovem. Além disso, com a pandemia, o uso das telas por períodos maiores aumentou as queixas relacionadas ao olho seco.

Os fatores sabidamente protetores para saúde ocular são relativamente simples. As medidas de prevenção da miopia envolvem atividades ao ar livre e exposição a luz solar, especialmente para crianças.

Já em relação ao olho seco, realizar intervalos a cada 20 minutos em frente as telas, manter-se hidratado, reduzir o brilho das telas, lembrar-se de piscar os olhos! 

Como médica do SUS, como você vê os desafios da saúde pública nesse período de pandemia?

Nosso sistema de saúde é incrivelmente resistente e provou-se fundamental nesse contexto de pandemia.

Obviamente o contexto inédito trouxe desafios a todos os países do mundo e, inclusive, países ricos foram igualmente afetados. Especificamente no Brasil, que é continental, ainda lidamos com as diferenças regionais em oferta de assistência médica. Ainda não temos todos os dados para avaliar o desempenho do nosso sistema.

Em alguns casos houve falha, vide o caso de oxigênio de Manaus, em outros eficiência, vide vacinas do Butantan e FioCruz. O saldo, dizendo de forma pessoalíssima, é muito positivo. Sem o SUS, seria o caos.

A Dra. Mariana Siqueira, realizando uma cirurgia de catarata. “A cirurgia é o único tratamento que pode ajudar a recuperar a visão, até mesmo em pessoas que já estão cegas pela catarata.”

O que mudou na sua vida com a pandemia?

 A oftalmologia como especialidade que lida majoritariamente com casos eletivos foi amplamente impactada. Adiei projetos, me vi longe do centro cirúrgico, onde realmente me sentia útil.

Trabalho como cirurgiã de catarata em um Hospital Estadual que passou por grandes mudanças no período. Perdi algumas agendas. Nessas horas, gosto da filosofia de instalação na realidade. O que eu posso fazer diante dessas circunstâncias? Reclamar e paralisar ou meditar e agir? Escolhi a segunda opção.

Decidi fazer um MBA em outra área, retomei aulas de música, pude ler mais. Revi gastos. Prioridades.

Como é a sua rotina de autocuidado?

Aprendi quando desejei mudar o meu corpo que disciplina é liberdade.  Obviamente que não estou bem todos os dias. Mas não me parece razoável usar apenas meus sentimentos para tomar decisões baseadas em sensações.

Somos instáveis, e nós mulheres, talvez mais. Por isso, é preciso decidir cumprir na maioria dos dias aquilo que se propôs a fazer: seja trabalhar, cuidar e educar um filho, estudar.

Não acredito em fazer pela motivação, mas pelo dever. Gosto muito de São Josemaría Escrivá, conhecido como santo do cotidiano: “Fazes o que deves e esteja no que fazes”. Algumas práticas orientais de mindfulness também usam dessa abordagem. Na prática, os pilares da saúde são alimentação mais saudável possível, atividade física regular e sono.

Em um vídeo do instagram (@dramarianasiqueira), mostrando o jeito correto de colocar lentes de contato.

Quando você se olha no espelho, o que vê?

Talvez essa seja a pergunta mais difícil. Posso pedir ajuda à minha terapeuta? Rsrsrs O homem até sua morte é incompleto. Somos caminhantes, como o famoso verso do poeta espanhol Antonio Machado:

“Caminhante, não há caminho. Faz-se o caminho ao andar.” 

Para você, o que é felicidade?

Estudo filosofia e psicologia há uns dois anos e seria soberba se dissesse uma resposta simples e única.

Vida amorosa, financeira, física, espiritual, amizades são domínios de todos nós. A arte é desenvolver da forma mais equilibrada essas habilidades. A vida, vivida com alto grau de realidade, talvez seja o único caminho possível para a felicidade.

Tenho grande afinidade com o pensamento de Vitor Frank, psicanalista vienense e fundador da logoterapia: amar uma pessoa, aceitar o sofrimento inevitável da vida e servir um ideal.

Se o ano de 2021 fosse um paciente, o que você prescreveria na receita dele?

Prescrição médica: Use sem moderação 

Esperança: uso regular, 4 x dia. 

Coragem. Amor – o amor é o fundamento das relações humanas. Fé.

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